terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Notas da frequência 17/12/13

Alda Coelho 14
Alexandra Costa Gomes – 16
Ana Catarina Galrão –  14
Catarina Paulo - 11
Erika Tóth – 15
Giovanna Lucente –  16, 5
Inês Ferreira de Almeida  12
J. Manuel Vieira – 16, 5
Luís Freire – 12
Marlene Monteiro – 13
Rodrigo Esteves – 12


domingo, 17 de novembro de 2013

Doris Lessing (1919-2013)

A escritora britânica Doris Lessing, que recebeu em 2007 o Nobel da Literatura, morreu este domingo aos 94 anos.
Autora de mais de 50 romances e com uma obra diversificada, Lessing foi descrita pela Academia Sueca, que lhe atribuiu o Prémio Nobel da Literatura em 2007, como "uma épica da experiência feminina que, com cepticismo, fogo e poder visionário, sujeitou uma civilização ao escrutínio". 
Doris Tayler, que como escritora veio a adoptar o apelido do seu segundo marido, Lessing, nasceu a 22 de Outubro de 1919 em Kermanshah, no Curdistão iraniano, então integrado no reino da Pérsia. O pai, o capitão Alfred Tayler, tinha perdido uma perna na primeira guerra e conhecera a futura mãe de Doris, a enfermeira Emily McVeagh, no hospital onde recuperava da amputação. Quando Doris nasceu, os pais viviam em Kermanshah, onde o ex-militar conseguira emprego, trabalhando como escriturário num banco.  
Em 1925, a família mudou-se para a colónia britânica da Rodésia do Sul, onde Tayler acreditava poder enriquecer plantando e vendendo milho. Investiu as poupanças na compra de uma grande extensão de terreno, mas o negócio revelou-se ruinoso e a família passou dificuldades. Doris estudou numa escola dominicana, em Salisbúria (hoje Harare, no Zimbabwe), mas abandonou os estudos aos 14 anos, tendo continuado a sua instrução por conta própria, lendo romancistas ingleses e russos.
Um ano depois abandona também a casa paterna e sobrevive trabalhando como enfermeira, criada, telefonista, secretária. Aos 19, casa com Frank Wisdom, um funcionário público, de quem terá dois filhos. O casamento não dura muito.
Em 1943, já divorciada, frequenta as reuniões do Left Book Club, um clube do livro organizado por intelectuais comunistas e adere ao Partido Comunista, então proibido na colónia do Rodésia do Sul. Este período de militância clandestina aparecerá mais tarde reflectido em A Ripple From the Storm(1958), um dos cinco romances do ciclo The Children of Violence, que Lessing inicia em 1952 com A Revoltada (Martha Quest).
É neste meio que conhece o seu segundo marido, o alemão Gottfried Lessing, então dirigente do Partido Comunista da Rodésia. Em A Ripple From the Storm, Lessing chamar-se-á Anton Hesse, e em The Golden Notebook (1962) dará pelo nome de Willi Rodde. O casal divorcia-se em 1949 e Lessing virá a tornar-se embaixador da Alemanha no Uganda, onde é assassinado em 1979, no âmbito de uma revolta contra Idi Amin.
Com dois casamentos falhados atrás, Doris Lessing chega a Londres apenas com o filho que tivera do segundo casamento, Peter – os dois filhos mais velhos tinham ficado com Frank Wisdom –, e durante algum tempo divide um apartamento com uma mulher sul-africana, que tem alguns quartos alugados a prostitutas, cenário que lhe dará material para In Pursuit of the English(1961).
Mas, nesta altura, o objectivo da escritora é publicar o seu romance de estreia, uma história situada na Rodésia e centrada numa mulher casada com um colono branco, pobre e fraco. A protagonista, espécie de Lady Chatterley inter-racial, tem uma aventura com o seu criado africano, Moses, que acabará por a matar. O romance, publicado em 1950 com o título The Grass is Singing(A Erva Canta na edição portuguesa), foi atacadíssimo na Rodésia e na África do Sul. Mesmo no Reino Unido, Doris Lessing só atinge algum sucesso comercial e consagração crítica nos anos 60, com livros como The Golden Notebook, ousada experiência ficcional em torno de uma mulher, Anna Wulf, que procura uma espécie de honestidade radical, que a liberte da hipocrisia e da anestesia emocional que vê na sua geração.
Boa parte da ficção de Lessing tem uma forte dimensão autobiográfica, e são muitos os livros que evocam a suas experiências em África, desde as memórias de infância, até às questões sociais e políticas pelas quais se interessou desde muito nova. O modo como os seus romances e contos descrevem as injustiças raciais e expõem os podres da presença colonial britânica em África fizeram com que fosse oficialmente proibida, em 1956, de entrar na Rodésia do Sul. Por essa altura, Lessing também já se desiludira do comunismo.
Da sua vastíssima bibliografia, que lhe valeu, em 2007, o Prémio Nobel da Literatura, podem destacar-se ainda O Verão antes das Trevas (1973), a pentalogia de ficção científica Canopus em Argos (1979-1983) ou A Boa Terrorista (1985), relato perpassado de ironia da vida de uma militante de esquerda, no qual Lessing mostra como a fronteira entre as convicções ideológicas e a prática terrorista pode tornar-se perigosamente delgada. É ainda autora de uma série de notáveis livros sobre gatos, que misturam ficção com textos de vários géneros.
O seu último livro, Alfred & Emily – os nomes próprios dos pais – saiu em 2008 e prosseguia um projecto autobiográfico iniciado com Under My Skin(1994) e Walking in the Shade (1997).
Mesmo antes de receber o Nobel, Lessing já recebera vários prémios, e tentaram mesmo dar-lhe o título de “dama”, ou, por extenso, dama do Império Britânico (dame of the British Empire), honra que recusou, argumentando que não existia qualquer império britânico,
Também não se mostrou particularmente agradecida pelo Nobel. Numa entrevista ao New York Times, em 2008, diz que “os suecos não têm uma grande tradição literária, e por isso tentam aproveitar ao máximo o Nobel”. E ironiza com a declaração do júri, que a considerou uma “épica da experiência feminina”. Afirmando não se rever no retrato, diz que imagina o sueco responsável pela frase a pensar para si próprio: “O que é que raio havemos de dizer desta? Ainda por cima não gosta que lhe chamem feminista. E então escrevinharam aquilo”.
Doris Lessing tinha 88 anos quando recebeu o Nobel da Literatura. O prémio nunca tinha sido atribuído a um escritor tão idoso. “Como não podiam dá-lo a alguém que já tivesse morrido, devem ter achado que era melhor darem-mo logo, antes que eu batesse a bota”, comentaria mais tarde.
Charlye Redmayne, da editora HarperCollins, descreve Lessing como “uma brilhante contadora de histórias com um intelecto feroz e um coração afectuoso e que não tinha medo de lutar por aquilo em que acreditava”.
O escritor sul-africano J.M. Coetzee, que conhece bem o mundo que moldou a obra de Lessing e que a precedeu quatro anos na lista dos prémios Nobel da Literatura, chamou-lhe "uma das maiores romancistas visionárias do nosso tempo".

terça-feira, 22 de outubro de 2013

O sumário de hoje já foi lançado (na secção de sumários, no iníccio do blog)

Esta quinta 24 não há aula.
Terça 29 há aula: O Último Negreiro de Miguel Real (ver artigo atrás) pela Prof. Rosário Pimentel.
Quinta 31: Discussão do conto de Sena sobre Camões. 

Quino: E tal o amor tiverdes tereis o entendimento de meus versos

Jorge de Sena e Camões

 
 
Só para dizer que muito tarde, mesmo muito tarde (talvez a altura certa), tive a oportunidade de ler o melhor conto escrito em língua portuguesa. Tinha comprado a revista Ficções, n.º 5, 2002, da Tinta Permanente, e a páginas 69 início a leitura mais empolgante e estimulante alguma vez sentida. Simplesmente soberbo. Só com muita admiração e paixão pela obra de Luís Vaz de Camões é possível homenageá-lo da forma tão sublime como fez Jorge Sena.

Por Paulo Moreira Lopes aqui

*
 
SUPER FLUMINA BABYLONIS

A ascensão da estreita escada escura, e tão a pino, com os degraus muito altos e cambaios, era, sempre que voltava a casa, uma tortura. À força de equilíbrios, meio encostado à parede, cuja cal já se esvaíra havia muito e até nas suas costas, e apoiando em viés uma das muletas no extremo oposto do degrau de cima, ia subindo cuidadosamente, num resfolegar de raiva pela lentidão. Toda a unção adquirida na conversa com os frades de S. Domingos, a cujas prelecções regularmente assistia, ficando depois a discretear com eles, se perdia naquele regresso a casa, ao fim da tarde, e mal se recompunha no repouso à janela, sentado no banquinho baixo, comido o caldo, e ruminando memórias e tristezas, enquanto a velha mãe prosseguia intermináveis arrumos pontuados de começos de conversa, a que respondia com sorrisos e distraídos monossílabos ou com frases secas em que ripostava mais a si próprio que a ela mesma.

Às vezes, ela insistia, repetindo um comentário, por uma resposta sua. Mas mesmo essa insistência não significava comunicação efectiva: ela apenas pretendia tranquilizar a própria consciência e o seu dó do filho envelhecido e doente, que a vida destruíra, com algumas palavras que lhe dirigisse, simulando uma conversa que não o deixasse entregue, perigosamente, aos solitários pensamentos, onde é sabido que o Inimigo especialmente se insinua. E não era dos pensamentos que ele tinha medo, mas dos vazios cada vez maiores que, entre os pensamentos, se faziam. Quando ela lhe falava, e sobretudo quando ela insistia, precisava não se deixar distrair pelas palavras que ouvia: ou logo, no fio interrompido das ideias que continuamente deslizavam como um rio revolto, se abria um vácuo tenebroso, um vórtice sombrio em que flutuavam farrapos de versos e de coisas vistas, e, mais no fundo, como que uma pequenina porta iluminada, ou um vidro posto sobre estranhas águas em que nadavam esquisitos seres e que parecia um olho fito nele, pestanejando ou palpitando, não sabia bem, talvez que, sim, nem mesmo um olho, mas uma transparência marinha como os reflexos das ondas ao luar.

A pequenina porta, que lhe fazia vertigens, nem sempre se mostrava. Na maior parte das vezes não havia mais que o poço em que se debruçava, ansioso de que a portinha se abrisse e tremente até ao arrepio pela frialdade que dela vinha. Fechando os olhos, cerrando-os com bastante força, conseguia então afugentar aquelas visões, ou aquela visão, sempre a mesma, que sonhava acordado. Porque dos sonhos tinha ódio. Pensar, devanear, lembrar, imaginar, mesmo supor como tudo poderia ter sido numa vida triunfante e num outro mundo, não era sonho, mas a certeza de que existia, de que as coisas se arrumavam por sua vontade, que a ordem delas e do Mundo era um desconcerto que ele organizava mentalmente.

Quando dormia, não sonhava nunca. Não eram sonhos as coisas que então via, mas a continuação do mesmo poder e da mesma certeza, ou então tentações do demónio, como diziam os padres. Mas as tentações ele conhecia bem. Não eram tentações da sua alma que Deus não deixaria que se perdesse nunca, a não ser naquele vórtice estranho onde parecia que Ele não penetrava. Como tentações? Que tentação era ter nos braços uma mulher que lhe escapara? Que tentação era matar, dormindo, um inimigo poderoso e inacessível? Que tentação era ver-se feliz num palácio, rico, respeitado, rodeado de servos e de admiradores, com uma mesa farta de bons petiscos e de bons vinhos, e com saúde e vigor para uns jogos de armas ou para uma bela amante pescada na rua, todos os dias uma diferente? Que tentação ver-se na Corte, com bom gibão de veludo e a gola de finas rendas, ouvindo os elogios dos seus pares e recitando ou lendo o último poema escrito? Não eram tentações estas coisas, não, mas consolações piedosas da sua alma, a satisfação do que lhe fugira, a plenitude do que não tivera, a saciedade do que não bastara, a conquista do que jamais pudera ter sido seu.

Pecado é sonhar com o futuro: desejar a mulher que se viu neste instante, querer com fúria o que é dado a outros, invejar furiosamente, como coisa que nos foi roubada, a felicidade alheia que está dançando, sem vergonha e sem respeito pela nossa miséria, diante dos nossos olhos que param a vê-la. Mas imaginar-se feliz no passado, com aquilo que fugidiamente o perpassara, e não fora nunca do tamanho da sua fome, não era tentação, não era um pecado, era, sim, a sua única riqueza, a sua única razão de esperar a morte, seco de amor, exangue de entusiasmos, descrente da pátria, destituído até da alegria de fazer versos. Os seus versos, agora, haviam-no abandonado. Haviam-se desfeito, como açúcar, no rio ininterrupto do pensamento, onde antigamente flutuavam subitamente, como pedaços de ardente gelo, que um a um se atrelavam para dar um poema. E não tinha deles saudade alguma. Não fora nunca para si próprio que os escrevera. Para os outros, sim. Para que o ouvissem, para que o admirassem, para que o entendessem, para que vissem como tudo, na vida, tinha um sentido exacto que só ele era capaz de achar, uma arquitectura que não teria tido sem ele, uma beleza que não existe senão como a ideia que primeiro é pensada por quem é digno dela.
Empurrou a porta e entrou. Contra o costume, a mãe não lhe apareceu, nem ele sentiu na casa ruído algum.



Fechou a porta, foi até à mesa, e sentou-se na cadeira, encostando as muletas. Sentar-se era um alívio do cansaço, e uma nova tortura também. Mas a ausência da mãe, tão inabitual, tornou menos tortura a tortura de sentar-se ajeitando as partes inchadas e doloridas, acto que, com uma vergonha infinita, era obrigado a fazer diante dela, e que por isso não ajeitava bem, sentindo os olhos da velhinha fitos nele, horrorizados com a monstruosidade dos castigos reservados a quem se entrega aos pecados da carne, sem se manter puro como veio ao mundo. Ela que, quando o marido voltava de uma viagem, só deixava que ele a beijasse depois de ter a certeza que não havia desembarcado em porto algum, desde muitos meses... Suspirando, sorriu para si mesmo. Na primeira viagem que fizera, ao embarcar-se para a Índia, ainda derrancado das orgias de noites consecutivas, destinadas a prevenir-se para tanto tempo de céu e mar e de conversa de homens, ele... Benzeu-se. Estas memórias eram tentações da carne. E nisso estava a diferença na poesia que escrevera na vida. Umas vezes escrevera na verdade para saber o que pensava.

Mas outras vezes escrevera para possuir efectivamente, como, quando era moço, repetia de seguida o acto do amor, não porque desejasse, mas para sentir melhor que possuía, para ter a certeza de que possuía mesmo a marafona de que se esquecera durante a primeira vez. Agora, assim alquebrado e impotente, tudo o que pensava, se o escrevesse, lhe parecia que era só desta poesia que pecava contra o Santo Espírito, e que não era uma dádiva, uma oferta do seu corpo ao corpo em que entrava, mas uma rapina, uma avareza, uma maneira de devorar o próximo. E mesmo de tudo o que escrevera lhe parecia incerto que o tivesse sido abnegadamente, já que sempre ansiara pelo reconhecimento alheio, pelo triunfo, pela glória, pelos prémios, a ponto de contentar-se com o sorriso constrangido dos ignorantes a quem lia os poemas.



Levantou os olhos para a janela. No prédio fronteiro, viu o calafate sentado à mesa, que o observava amigavelmente por cima da escudela fumegante. Acenou-lhe de cabeça, e o outro fez com a mão um gesto largo, que terminou apontando o caldo numa oferta gentil. Correspondeu com um gesto como que de adeus e desviou os olhos. À varanda vieram encostar-se as duas crianças; não precisava de olhar para saber. Nunca gostara de crianças, nunca pensara em tomar estado para tê-las suas. Talvez por isso mesmo é que tanto ou tudo da sua poesia ficara como aqueles filhos que não quisemos ter, e que depois se despegam de nós adivinhando um desapego de que nos arrependemos, mas que não deixa de ser um desapego mesmo arrependido. O amor para ele fora carne e espírito, tão carne que nenhum espírito podia estar presente, e tão espírito que nem toda a carne do mundo, usada dia e noite, chegava para contentá-lo. Até o fastio, que às vezes o afastava longamente de contactos carnais, era uma ardência insatisfeita, que se continha, suspensa e ameaçadora, à espera de esquecer que a carne era sempre igual, e os gestos do amor tão poucos que os sabia já de cor. Mas depois, ao fazê-los, era sempre, como na primeira vez, uma surpresa, uma ignorância curiosa, um receio tímido, uma insegurança doce, um pasmo juvenil, uma alegria nova, um encantamento frenético; era como na primeira iniciação, mas sem a perplexidade e a decepção de o amor não ser mais do que isso, quando a virtude do amor não está em ser mais do que é, mas em ser o prazer de não ser isso mesmo.

Novamente ergueu os olhos para a varanda fronteira. As crianças não estavam lá, e o homem, curvado para a escudela, comia o seu caldo. Aquele mistério da Encarnação, o frade hoje falara muito bem, explicando com eloquência o seu sentido. Mas o sentido da Encarnação não precisava ele que lho explicassem. Quem amara com a carne e com o pensamento como ele, quem escrevera do Amor como ele escrevera, e quem não gostara nunca de crianças, como ele, tinha da Encarnação uma experiência que o frade não tinha. Precisamente porque tudo se encarnara nele sem encarnar-se, e lhe devorara a própria carne, deixando-o aquele farrapo imundo que era agora, quem melhor sabia o que era a Encarnação? Ou, pelo menos, tanto quanto um homem pode sabê-lo? Sentir-se grávido de um poema, sentir-se fecundado por um relâmpago entrevisto, e ser um homem – é o mais que pode saber-se. Não o sabe a mulher que dá à luz, porque é delas dar à luz, às vezes sem ter amado. Não o sabe o homem que quer ter filhos, porque os pode fazer sem amor. Mas o poeta que praticou o amor até à destruição da carne, e escreveu poemas até que o espírito acha pouco a poesia, esse, sim, esse sabe o que Encarnação seja. Apenas, porém, o sabe. Mas não viveu a Encarnação, foi a Encarnação quem o viveu a ele. E é este o grande mistério, não o outro. E é a grande diferença entre um deus que se encarna e o homem em quem a Encarnação se representa. Uma diferença que é, afinal, uma comédia, ou pode ser vista como uma comédia, porque todo o homem a quem isso aconteça é Anfitrião, um marido enganado pelo Júpiter que há nele.

Ficou vendo diante de si o palco iluminado e as figuras declamando os versos. A porta rangeu, e os passinhos leves soaram atrás dele. A voz fininha e aguda começou a sua declamação desafinada.
– Esteve hoje cá o padre Manuel à tua procura, e eu disse-lhe que hoje era dia de ires a São Domingos, e ele disse-me que não se tinha lembrado, e eu perguntei-lhe quando voltava, e ele respondeu que precisava perguntar-te do teu livro, mas não era pressa, voltava noutro dia, ou tu fosses procurá-lo amanhã ou depois. Que é que ele anda a fazer com o teu livro, sempre a perguntar-te coisas? Então um livro desses, que não é de coisas de Deus Nosso Senhor e da nossa santa religião, precisa que tu estejas sempre a explicar o que é isto e o que é aquilo, e a contar a tua vida, nem que ele fosse o teu evangelista? A Virgem Santíssima me perdoe, mas parece-me um grande pecado. E contar a vida às outras pessoas é um grande pecado da vaidade. A vida conta-se ao padre confessor, e faz-se a penitência que ele manda pelas nossas más palavras e obras, e pronto. E, à hora da morte, a gente conta o que ainda lembra ou fez entretanto, e o padre dá a absolvição, se fomos virtuosos e piedosos, e nunca faltámos aos nossos deveres para com Deus e a sua Igreja. Ah, veio também o criado do Senhor Rui Dias, do mando deste senhor, que tão teu amigo é, perguntar pela encomenda que te fez daquelas poesias del-rei David que Deus haja. E eu disse que tu ainda não acabaste e que logo acabas, e que tens trabalhado muito e até tens estudado com o padre Manuel para que as palavras santas fiquem todas certas e nos seus lugares.

E ele disse que o amo estava muito arreliado contigo, que havia mais que muitos meses que tinha feito a encomenda, e que tu não fazias nada, e que já tinha pago adiantado uma parte do trabalho. E eu disse que era verdade, que ele já tinha pago, mas que nestas coisas pagar adiantado alguma coisa é como dar o pano ao alfaiate, porque o alfaiate não pode fazer o gibão sem o pano, e tu não podias escrever sem comer. E disse-lhe que a tua tença estava atrasada e que não a pagavam, e que eu esperava muito da bondade do seu amo e do grande poder que lá tem no Paço que a tença fosse paga em dia, que bem a tinhas merecido de Sua Alteza pelos muitos serviços de teu pai que Deus tenha em descanso, e também dos teus serviços, que se tinhas sido um rapaz sem juízo, e não tiveste sorte na vida, também eras um homem que escrevia livros, e sabias muitas coisas divinas e humanas, como o Senhor Padre Manuel me disse, e Frei Bartolomeu escreveu na licença que te deu...

– Frei Bartolomeu só disse que eu sabia muito de coisas humanas.
– Pois é. Porque saber de coisas divinas tu podias ter aprendido se tivesses estudado a valer, e tido juízo, que podias hoje até ser bispo e mais do que eles dois. Mas meteste-te com más mulheres e más companhias, e hoje é isso que se vê, e, em vez de seres tu a dar as licenças, és tu quem as vai pedir a eles. Se não fossem teus amigos e tu não lhes moesses a paciência, e não mostrasses como és um homem arrependido da má vida que teve, não ta davam, que isto de frades, Nossa Senhora me perdoe, se alguém me ouve. O teu pai é que se ria deles, e dizia que eram todos uns vadios, que só queriam comer e ter as mulheres dos outros. Abrenúncio, e por isso Deus o castigou com aquela desgraçada morte, que nem teve sepultura cristã. Mas tu podias ir procurar o Senhor Duque ou o Senhor D. Manuel, e lembrar-lhes que a tua tença está atrasada, e eles não há que não consigam, de tão grandes senhores que são, primos del-rei. Eu tive de sair para visitar a nossa comadre Joaquina que está outra vez com a sua dor e não tem ninguém que cuide dela, mas logo lhe disse que não podia demorar-me, porque hoje era dia de ires a São Domingos santificar a alma, que bem precisas, e logo voltavas com fome e querias a tua ceia, e ficavas aborrecido se eu não estivesse em casa quando chegasses, para te dar o caldo, e ela respondeu que não eras nenhuma criança que chorasse pelo peito da mãe, e eu disse-lhe que tu nunca tinhas chorado pelo peito da tua mãe, e é verdade também porque eu te dava logo de mamar mal tu abrias a boca para gritar. Mas que nunca choraste para mamar é a verdade, e só choravas depois, porque o meu leite era fraco e foi preciso trazer uma ama, e o teu pai queria que tu fosses criado com ama, porque não era da nossa condição que tu fosses criado ao peito de uma senhora como eu, esposa de um homem como ele, tudo gente de condição.

Mas a condição que nós tínhamos era só o que ele ganhava, e Deus sabe como eu vivi depois que teu pai faltou e tu andavas lá por essas terras de gentios e de infiéis, por tanto tempo e eu sem saber se eras vivo ou morto, e só sabia quando chegavam as armadas e vinha alguém conhecido que me dava notícias tuas, e me dizia que tu tinhas ido para aqui e para ali, ou estavas não sei onde, que para mim todas aquelas Índias são o mesmo, e os nomes das terras são mesmo coisa do demónio, cruzes, de arrenegados para se entenderem. Muitas vezes eu pensava que me escrevias, mas tu nunca escrevias, e muitas pessoas me diziam que tu lá escrevias as cartas dos outros, que escrever bem tu sempre escreveste desde muito pequeno, mas punhas as coisas bonitas no papel para eles, e para mim nada. E eu ficava rezando a Sant’Ana e a Nossa Senhora e às vezes até mudava de santo para que nenhum se cansasse de me ouvir, sempre temendo que morresses nas guerras e nos naufrágios, ou dessas doenças que há lá, e a pensar que às vezes eu podia estar a rezar pela tua boa sorte e as rezas afinal servirem para te descontar os dias de Purgatório pelos teus pecados e leviandades, e o corpo que eu dei à luz estar comido dos peixes ou do gentio, sem sepultura cristã, como teu pobre pai que Deus haja e eu só soube tanto tempo depois. E a comadre Joaquina deu-me este pastel que aqui trago e que é de uma galinha que lhe deu a vizinha, ou uma meia galinha só, de que ela fez este pastel, e me disse que tinha outro e que te mandava este, mas queria que tu lhe escrevesses uma oração em verso a S. Crispim de que é muito devota, e eu disse que tu havias de escrever depois de comeres o pastel.

– Eu como o pastel, mas versos aos santos não faço.
– Deus meu, se alguém te ouve e pensa que tu não acreditas nos santos. A Santa Inquisição que nos livrou da maldade e da malícia dos inimigos da nossa Fé manda que se acredite nos santos, e eu bem sei que tu não acreditas, nunca te encomendas a eles, e é por pecado de orgulho, ao que me disse o padre Manuel, quando eu lhe falei da minha aflição por tu não acreditares nos santos, e ele me respondeu que tu achas os santos pequenos de mais para ti, e não te contentas senão com Deus Nosso Senhor. Eu até fiquei arrepiada de pensar no perigo que é não ter um santo que nos proteja. Se não fossem o Senhor Duque e o Senhor D. Manuel e o Senhor Rui Dias e outros senhores assim, eu queria ver de que é que tu vivias, que el-rei nem saberia da tua existência. Deus me perdoe, mas não é que Deus não saiba de ti, porque ele sabe de todos e é um pai amantíssimo que não tira os olhos de nós. Mas está na sua divina majestade, ocupado em reger o Mundo, e nunca ninguém ganhou causas sem advogado. A mim a Senhora Sant’Ana nunca me desampara, eu nem sei o que seria de mim e de ti sem ela. Que este pastel é um milagre dela. Quando eu saí para visitar a comadre Joaquina, ia dizendo comigo que a Senhora Sant’Ana fizesse que eu não voltasse para casa com as mãos vazias e trouxesse algum petisco para o meu filho, e pedi mesmo um pastel de galinha, que era o mais certo, porque a comadre Joaquina sempre tem pastéis de galinha. E eu não prometi à Senhora Sant’Ana que tu farias o que a comadre pedisse, porque já te conheço, e não há contar contigo para coisa nenhuma que não seja comer o pastel. E por isso não faz mal que não faças os versos a S. Crispim, porque não foi promessa minha. A comadre é que disse que tu, se quisesses, podias fazer, que toda a gente dizia que eras muito bom dizedor, e que fazias logo os versos que te pediam. E eu respondi que isso seria dantes, porque agora tinhas uma encomenda muito boa, de grande rendimento, do Senhor Rui Dias, que nos fazia a honra de ser teu amigo, de pôr em verso os Salmos del-rei David que Deus haja, e que tu não escrevias nada, e até hoje o criado dele cá estivera a reclamar por causa do pagamento adiantado. Tu estás a dormir, tu não ouves o que eu digo? Come o teu caldo enquanto está quente e depois o pastel que é bem gostoso se for igual ao outro que a comadre tinha. Eu já ceei em casa dela, e estou sem apetite só de ver-te nesse estado, um rapaz tão forte e tão bonito como tu eras, que não havia moça que não se voltasse para te ver, nem homem que não se mordesse de inveja. E, quando o sol dava no teu cabelo, eu dizia comigo que o meu filho era como um rei com a coroa na cabeça, ou, Deus me perdoe, como um grande santo de resplendor dourado em dia de procissão.

E ficava a ver-te ir pela rua abaixo, tão vaidoso que nem olhavas para trás, com a mão no punho da espada, e os passos tão firmes, Deus meu, que parecia que a terra era toda tua. Por essas e por outras é que as tuas desgraças começaram, com as arruaças e as brigas, e o mau feito, desgraça maior que todas, de acutilares o homem em Dia de Corpus Christi, aquele patife sem vergonha que te desgraçou e fez ir para a Índia e que merecia morrer em pecado, Deus me perdoe se sou eu quem peca. Está tão escuro já que vou acender a candeia. Mas o lume apagou-se e vou descer à vizinha a pedir-lhe o lume. Deus Nosso Senhor tenha piedade de mim, velha e cansada, e com um filho homem, e sou eu quem tem de descer a escada para buscar o fogo que não há na minha casa.

Estranhamente, no silêncio e no fluxo dos pensamentos, o poço abriu-se insólito e translúcido na sua profundeza negra, com as pequeninas formas flutuantes, e uma subia, subia, tomando cor e feições de uma medusa terrífica. A porta rangeu, e uma vaga claridade fez emergirem os objectos, como formas planas, sem sombras na luz fraca. Os passinhos soaram leves.
– A vizinha diz que, no intervalo antes de tu chegares, quando eu já tinha saído, veio cá também aquele doutor que te pediu as poesias para aquele senhor que não tem nome cristão, o Senhor D. Leonis. Hoje veio cá todo o mundo, até parece o Dia de Juízo. E ele que vai de viagem ficou com muita pena de não te ver, e disse-lhe que te deixava muitas lembranças e que queria muito que tu melhorasses de saúde, e ela respondeu que tu estavas mesmo muito acabado, e ele disse que tu não acabavas nunca, porque tu eras um grande poeta, um dos maiores que já tinha havido no mundo, assim uma coisa como nem sei quem ele disse. E ela riu-se muito, e disse-lhe que o Senhor Padre Manuel também dizia o mesmo, e que era tudo bondade deles, porque isso de poesias nunca davam nada a ninguém. Só que a ti deram a tença, mas foi por causa do livro impresso e pelos muitos serviços a el- -rei que o teu pai prestou em sua pobre vida, e tu também. E ele respondeu que era sempre assim que as coisas aconteciam, que a glória só vinha muito tarde, e que os prémios, quando eram dados, nunca vinham pelo que a gente merecia mais. Eu acho que isto é descrer da infinita bondade de Deus Nosso Senhor, e não é muito respeitoso para com Sua Alteza que te deu a tença.

O que é preciso é que tu vás ao Paço reclamar que não te pagam a tempo e horas, que estou cansada de me arrastar até lá, e sempre me perguntam porque tu não vais, e o outro dia o tesoureiro até me disse que era tudo história, que não ias porque tinhas morrido, e eu, se queria receber, tinha de pedir a el-rei a renovação da tença em meu nome. E tu não vais porque tens esse pecado de orgulho, e não queres que te vejam de muletas, a pedir que te paguem o que te devem. Eu é que estou cansada, e vou-me deitar que não posso mais comigo. Tem cuidado com a candeia, não gastes muito azeite, que está pela hora da morte, e bem sabes que tenho medo dos fogos e podes adormecer aí na mesa, não era a primeira vez, e a candeia pegar fogo à tua papelada, e à casa, Deus nos acuda e Santa Bárbara nos proteja. Se voltar cá o criado do Senhor Rui Dias, o que é que lhe digo? Nem me respondes, estás a cair de sono em cima da mesa. Tem cuidado com a candeia...

Ficou olhando as chispinhas delicadas que a candeia fazia, como uma auréola à volta de um centro ardente. Se o criado de Rui Dias lhe aparecesse, ou ele mesmo, diria que, noutro tempo, era mancebo, farto e namorado, querido e estimado, e cheio de muitos favores e mercês de amigos e damas, com que o calor poético se aumentava, e que agora não tinha espírito nem contentamento para nada... Seriam 365 versos, tantos quantos os dias do ano, como uma via sacra da vida, 73 quintilhas como...

Levantou-se impelido por uma ânsia que lhe cortava a respiração, uma tontura que multiplicava a pequenina luz da candeia. Apoiado à mesa, arrastou-se até à outra ponta, e daí deixou-se cair até à enxerga. Remexendo nela, tirou de um canto umas folhas de papel, o tinteirinho, com a pena enfiada no anel, que se habituara, desde o primeiro embarque, a guardar assim. De joelhos, com as dores neles e nas partes aumentando muito agudas e em picadas de que cerrava os dentes, veio até à mesa, pousou nela o que trazia, e levantou-se. Ficou um momento, de olhos fechados, arquejando. Já as palavras tumultuavam nele, confundidas com as outras, inúteis e mortas, da tradução que tentara. Eram como uma tremura que o percorria todo de arrepios, com hesitações leves, concentrando-se em pequenas zonas da pele. Debruçando-se da mesa a que se apoiava, puxou para o seu lado a cadeira, e caiu sentado nela. Sentia um suor frio escorrer-lhe pela testa, e, ao abrir o tinteiro, viu que as costas das mãos brilhavam perladas. Uma onda de alegria o inundou, em sacões ansiosos. Os olhos ardiam-lhe e era de lágrimas. Tudo falhara, tudo, e a própria poesia o abandonara, receosa dos seus olhos penetrantes que viam o fundo das coisas. Era o poço com as formas flutuando. Mas era um grande poeta, transformava em poesia tudo o que tocava, mesmo a miséria, mesmo a amargura, mesmo o abandono da poesia. Tremendo todo, mas com a mão muito firme, começou a escrever... Sobre os rios que vão de Babilónia a Sião assentado me achei... Riscou, desesperado. Recomeçou. Sobre os rios que vão por Babilónia me achei onde sentado chorei as lembranças de Sião e quanto nela passei...
E ficou escrevendo pela noite adiante.

Araraquara, 27 de Março de 1964

Texto de apoio aula de 3ª 29 - Prof. Rosário Pimentel


Miguel Real
O último negreiro


1.     O livro

Eu vou ler um texto – estou já a ler, e do facto peço desculpa, mas , tal como o homem que não teve tempo para escrever uma carta mais breve, também eu não tive tempo para preparar um improviso. O Último Negreiro (2006) não é o único romance de Miguel Real que se debruça sobre a questão dos escravos no Portugal que já estava a ser Brasil. Mas é o único que tem um tão carregado e claro – negramente claro – título. A ele voltaremos.

2.     O autor panóptico

Miguel Real, que espero não esteja hoje na sala, porque é embaraçoso falar na cara das pessoas, sobretudo se é para dizer bem, é um autor omnívoro, e vem desde há uma, duas décadas traçando um mapa exaustivo da cultura portuguesa, não hesitando sequer em entrar por aspectos concretos – o romance português hoje, com uma enciclopédica relação de autores –, seja em planos mais abstractos, como em Nova Teoria do Mal. É omnívoro, bulímico, imparável. Nem sempre o mais sintético – mas quase sempre o mais generoso, o mais exaustivo, o mais amplo, consistente e persistente. São qualidades não de somenos. E fá-lo em ficção e ensaio (ou seja, na minha óptica, em ensaio e ensaio. [Na óptica de outros, em ficção e ficção.]

3.     A ficção enquanto ensaio

De facto, para mim, a ficção que vale a pena é sempre ensaio: um instrumento de trabalho problematizante. E, por vezes (não tenhamos peias nem complexos), didáctico. Como sugere Kundera em A Arte do Romance, o romance vale a pena quando é ensaio, e o contrário, o contrário também talvez... Lembro-me ainda da felicidade com que li, aos 14 anos, Unidade e diversidade em Fernando Pessoa de Jacinto do Prado Coelho, ou, aos 20, Fragmentos de um discurso amoroso de Roland Barthes. Agora estou a ler Zona de Geoff Dyer, que segue – quase fotograma a fotograma – o filme Stalker de Tarkovsky.  [Por sua vez baseado no romance Piquenique à beira da estrada dos irmãos Arkadi e Boris Strugatsky.] E o que são os Sermões de Vieira, ao qual Miguel Real dedicará, numa espécie de prequela deste, o romance O Sal da Terra, de 2008?

Miguel Real tem – tenta ter – essa visão panóptica do mundo, e das respostas que, por palavras, podemos dar a esse mundo.

4.     Encurtar a distância

E são exemplares, os seus livros: querem contar uma história interessante mas querem também dar a compreender – e, se possível, a ver. O romance O Último Negreiro é isso tudo: um ensaio, porque problematiza, um diálogo com a História, porque a busca, um texto parcialmente didáctico, porque quer ajudar a entender. [No epílogo o autor diz mesmo, para quem não tiover entendido, o que esteve a mostrar durante 350 páginas.] O Último Negreiro é também um conjunto de artigos – variações sobre um tema – que quase sem prejuízo podem ser lidos soltos, técnica recorrente noutras obras. [Como se o autor estivesse a fazer um congresso consigo próprio, onde ele envia todas as comunicações a ler durante os 3-5 dias do encontro.] E é, sobretudo, um romance porque tenta dar a ver e porque (cá está de novo a ética do romance] encurta a distância para o Outro. Neste caso, o Outro em nós, porque o protagonista aparente, Félix de Sousa, embora não pareça, é nós. Não é só aquela cara que não é estranha, é também aquele coração, aquele carácter, aquele ser humano.

5.     O outro em nós

Com efeito, em 2013 o Outro já não é o negro, o mulato, a mulher, o estrangeiro, o escravo, o oriental, nem sequer o marciano. O Outro, hoje, nesta época bem-pensante e de paz aparente, é o esclavagista, o negreiro, o homem que trata os outros como mercadoria, o capataz do horror. E é precisamente esse abominável Outro que, numa época onde houve heróis e gente bem mais decente a merecer ser protagonista de romance, Miguel Real escolhe para: a) cabeça de cartaz; 3) herói (herói anti-heróico mas ainda assim herói da história); 4) objecto, até certo ponto da nossa simpatia – o facto é que damos por nós a torcer por ele quando enfrenta adversários e adversidades, seja quando leva uma tareia, seja quando recupera a dignidade fazendo trabalhos indignos (chicotear escravos), seja quando começa a recuperar o capital (ou seja, a chular escravos), seja quando se vinga (do banqueiro Marinhas), seja quando se perde qual Robinson Crusoe com Sexta-Feira (o seu parceiro Pedra/Jau/servo/cúmplice/amante/irmão/e tudo mais), seja quando é envenenado, ou descobre que tem paludismo, ou é encarcerado pelo rei negro Adondozan, vendedor de escravos, seja quando finta os bons polícias (a ONU daquele tempo), ou seja, os barcos franceses e ingleses....

Esta última operação – a de humanizar Félix – é a mais terrível, e Miguel Real leva-a a bom porto, usando de uma estratégia simples e eficaz. Se nós estamos no tempo da simpatia como vítima (pelo menos, nós leitores de romances e ensaios), então a cena de abertura mostrará o protagonista como vítima, sendo quase morto numa agressão violenta pelos jagunços de um banqueiro, quando ia apenas pedir o que era justo – a justa paga por...

[ter vendido uns 50 escravos, mas isso agora não interessa nada. É difícil odiarmos alguém que está a ser espancado daquela maneira. Além disso, a nossa antipatia imediata – vá lá saber-se porquê – vai para o banqueiro. Meta-se, nos dias de hoje, uma víbora num duelo com um banqueiro, ou mesmo um advogado, e a nossa simpatia em 2013 provavelmente irá para a víbora, ou até mesmo para o advogado.]

6.     O que foi a escravatura?

É este o tema do livro, bem entendido, mais do que a vida do protagonista. Há um título, que remete para uma personagem, mas na verdade passado o prólogo – Francisco Félix de Sousa está a ser agredido até à morte pelo banqueiro Marinhas, que lhe chama «um alucinado», como depois o fará o amigo Simão – Francisco Félix de Sousa desaparece praticamente durante o primeiro terço do livro. Miguel Real vai dar-nos o contexto, aqui efabular com base em factos históricos, acoli quase só dar-nos mesmo os factos. É um livro documentado, como se pode ver na bibliografia e nas imagens, e que quer ser documento. Quer, literalmente, contribuir, mais do que receber. Quer contribuir para o debate, para o conhecimento; O Último Negreiro tem esse pendor generoso de dar algo ao leitor. (O movimento oposto seria o do romance histórico de pacotilha, que, tipo filme da Disney, apenas se aproveita do fascínio por uma época para leviana e anacronicamente contar estórias de espadachins. Miguel Real não pilha a história – pelo contrato, todas as pepitas que encontre devolve-as ao bem comum.)  

Se o objectivo é entender, o método quase sempre escolhido não é o explicar, é o show & tell. A narração vai dando a entender o que é a escravatura – mas através da narração e da descrição, instrumentos literários, mais do que por um explícito comentário ideológico. Excepto no epílogo, que para mim seria mais uma nota de autor, mas que precisamente tem graça por, fechando metadiscursivamente a história, o autor colocar ao nível romanesco do resto livro: aí sim, no epílogo, Miguel Real diz ao que vai, ou ao que foi. «.......»

Mas o que o autor disse, meramente narrando e descrevendo, foi mais do que suficiente: a mercadoria que ocasionalmente se estraga na viagem) e, por questões higiénicas, tem de ser jogada ao mar; as sucessivas camadas de oportunismo, cinismo, ganância, na escala o sistema esclavagista; a insustentável crueldade, a par de outras promiscuidades mais ambíguas numa sociedade onde os opostos vivem apesar de tudo lado a lado, para não falar do convívio entre escravos, libertos, potenciais libertos, ou da paz podre (ou guerra fria) entre quilombos e cidades. E também da tão actual necessidade económica de baixar salários – o equivalente à já célebre frase de Borges – o economista cego, não o escritor), «Baixar os salários não é apenas uma necessidade, é uma urgência». 

Atente-se nesta passagem seca e quase denotativa:

137: «Os métodos artesanais de Francisco Félix de Sousa, herdando do pai o trato, negociando em pequenos magotes de escravos, especializando-os em profissões, tinham sido ultrapassados, aos novos escravos exigia-se apenas força muscular para o corte da cana e a apanha do capucho de algodão e da folha de fumo, deixando para os descendentes dos antigos escravos, os crioulos ou ladinos, as funções domésticas e artesanais . Desde que o seu pé tocara areia da praia do Chega-Negro, oito anos de vida era o que o senhor de engenho exigia do escravo, o suficiente para amortizar em trabalho o investimento feito na compra (...).»

7.     O mau da fita?

O título é todo um programa. Outros título do autor são metafóricos – O Sal da Terra, A Voz da Terra ­– mas este é de uma clareza lapidar: O Último Negreiro. Ou seja, aquele que ainda traficava escravos mesmo quando já muitos tinham percebido que algo de errado havia numa economia que dependia do tráfico humano. [Hoje já não há disso, graças a Deus!]

Como podiam aqueles homens fazer aquilo que hoje nos parece inaceitável? Que tipo de homens eram aqueles?

157: «Estes homens, pensava João Luiz Abreu, de tanto conviverem com os escravos ficam como eles – os mestres atravessadores eram homens cruéis, solitários, avarentos (...»

E Francisco Félix de Sousa?

288: «Félix de Sousa respondia que desde os cinco anos de idade manipulava o chicote como as outras crianças brancas a pena de escrever (...)»

Como já foi dito, Miguel Real faz um não fácil (e também não bonito) milagre: humaniza o protagonista. Já no-lo tinha humanizado no início – nós estamos sempre do lado que apanha – a ser violentado e injustiçado por aquele que intuímos logo ser o mau da fita, o Banqueiro Marinhas. E vamos então, de mão dada com o autor, à procura do humano

O certo é que Félix é um bruto mas tem algum orgulho, alguma hombridade em toda a sua bruteza:

150: «(...) d. Francisquinha envergonha-se do teu trabalho, (...) é trabalho de mulato, diz ela, já nem os mulatos o querem, agora são os pretos rufiões que se tornam capatazes de escravos correços (...)»

E, sim, é o mau da fita mas não é o verdadeiro vilão, ou pelo menos não muito mais vilão do que os outros. Será apenas, sugere-nos Miguel Real, o homem que suja as mãos. Como o pide ou o torcionário que, tantas vezes, não é senão um camponês fazendo honestamente o seu des/onesto trabalho. Uma figura que me ocorre é a do russo Viktor Bout, traficante de armas que hoje está preso (desde 2008) e com chave deitada fora. Não deixando de ser uma personagem abominável, sabemos tratar-se de apenas um peão mais num tabuleiro onde a hipocrisia impera – dado que os países que promoveram a sua prisão têm forte renda no negócio da venda de armas...[ enfim, cala-te, boca. Cala-te boca, em 2013, se não queres ser amordaçada.] 

150: «Samuel perguntara por Francisco Félix de Sousa, não porque o desejasse a trabalhar no armazém, bem queria um pé-rapado como o Félix \longe dos seus negócios, brancos desses só traziam sarilhos, mas porque, (...) lobrigando Félix a sulcar a terra com o chicote, descobrira a solução para a desocupação dos terrenos de Rio das Rãs, o Félix era o malfeitor ajustado para expulsar aquela pretalhada (...).»

Félix de Sousa é a expressão do seu tempo: um bruto, aos nossos olhos (aos meus, pelo menos), um monstro pelos seus actos (um crime do qual bons pensamentos não me redimem). Mas, sendo a expressão desse tempo portuguez... não sei, já esqueci o que ia a dizer.   

8.     Redenção

Acreditariam mesmo muitos em discursos como este?

187: «mas o capitão assegurava-lhe que a Igreja Católica defendia a escravatura, era a tese do resgate, explicava, ele próprio a aprendera com os capelães dos navios negreiros: (...) um negreiro é um herói para a Igreja Católica, afiançava, um libertador de pretos das garras do demónio, o mais heróico feito cometido hoje para glória de Deus.»

Este Francisco Félix de Sousa, parte na segunda metade da sua vida para a fonte do mal ou, pelo menos, a fonte dos escravos. De receptor passa a fornecedor. De traficante de escravos branco torna-se quase outra coisa.

Diz-se que, no seu pior, um romance se assemelha a um ensaio, um texto académico, discursivo, chato, pesado. Eu diria que, no seu melhor, um romance se aproxima do ensaio: provocador, inteligente, tentando tornar o outro inteligível. Miguel Real conta uma história de quase redenção: a redenção possível, para um homem capaz de tanto mal como Francisco Félix de Sousa. Duas redenções: a sua, interna e, até certo ponto, externa; a da sua descendência. Miguel Real não redime a personagem mas, de algum modo, redime-nos a nós.

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Pode um tradutor ser poeta?

(poema-ensaio para João Barrento)

 

There must be no distance

between the poet and his word.

 

Bakhtine, que aliás parece lê-se

mal em russo, atira ao poeta

o rosto linguístico absoluto

contra flagrante evidência, e. g.,

o empréstimo cortês na poesia

antiga, toda a lírica de récita

e de canto. O grande dialogista

diga-se gostava era do romance

e seus rumores, cria a poesia

pouco sociável, senão egoísta,

olvidável, everything that enters...

must immerse itself in Lethe, and forget

tudo o que no poema entra mergulha

e a vida toda antes esquece, lembra

só a si... language may remember

only its life in poetic contexts.

 

Há um tipo de poeta decerto

apostado em que a poesia invente

um mundo que o real não desmente

literal como ninguém. É Herberto,

exemplo maior da palavra-erecta-

-ardência. Não pode o tradutor ser

Herberto por isso é que Herberto

não traduz

muda

Herberto só devém.

 

Tradutores se poetas são outra

estirpe mais rasteira que prospera

em língua alheia no dizer de outrem

e tem por regra mais que um senhor.

Vivemos de não sermos singulares

mas servos dedicados afinal,

de ouvidos colados às paredes

de falares, requintado plural

de glossa, invisíveis vozes amos

nossos; nós instrumentos díssonos

fragmentos fáceis –  nem

vasos, vácuos

de unicidade

intermitentes veículos

ventríloquos

de breve

validade.

 

 

TNDM II

No próximo fim-de-semana, por ocasião do  Lisbon Open House, vão-se realizar visitas guiadas gratuitas ao Teatro Nacional D. Maria II. Esta parece-me a ocasião perfeita para adquirir os bilhetes para a peça Comunidade, sugerida na aula, que estreia a 10 de Outubro. As visitas realizar-se-ão às 10.30 e às 12.00 e as bilheteiras do teatro estão abertas ao sábado das 14 às 22 e ao domingo das 14 ás 19. Fica a Sugestão!

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Sumários

Sumário aula 1 (17/9)

1. Apresentação do programa e objectivos da cadeira. Lermos, conversarmos, divertirmo-nos. Nestas coisas de leitura, só «brinca» quem domina a matéria. Quem sabe pouco (e não quer que se saiba que sabe pouco) fica sisudo. Com sorte e algum empenho, o aluno chega ao fim do semestre com um mapa mais completo da literatura portuguesa contemporânea. O número de obras de leitura obrigatória - os serviços mínimos - é restrito. O aluno é convidado a ir - inclusive no trabalho - escrito - bem mais longe.
2. Pequena conversa. Quem são os alunos? Qual a sua formação? E de que modo podem tirar proveito da disciplina?
Parábola da espiral. Eu sou do tempo em que Lisboa tinha autocarros de dois andares com porta aberta atrás  Como um autocarro, a aula segue uma linha, tem um percurso. Mas os passageiros descem por vezes em andamento. Os motivos para o fazerem são vários, uns melhores outros piores: um ficou distraído, o outro está cansado, outro não percebeu o que o professor disse e perdeu-se, outro achou muito interessante um aspecto e desviou-se numa longa nota de rodapé.... Por isso, o motorista de vez em quando volta atrás. Não exactamente em círculos, porque não volta ao ponto onde o aluno saíra; mas passa perto o suficiente para que este, se andar um quarteirão, volte a subir para o autocarro.
2. Regras. Marcação da frequência (17/12) e prazo-limite de entrega do trabalho (5-10 p., corpo 12, espaço e meio, TNR): início de Janeiro 2914.
3. Leitura para a aula 3: «Comunidade» de Luiz Pacheco.
4. Uma linha divisória: antes e depois do 25 de Abril de 1974.
5. Um texto literário fala de si mesmo, certo, liberta-se do referente exterior. Mas também podemos ver de que modo dialoga com o seu tempo, a língua em que é escrito, as tensões do espaço onde se insere e do qual diverge/converge.
6. O que é um ensaio? O mais aventuroso e lúdico ensaísta português é (talvez Eduardo Lourenço. )
7. São os estudos literários uma ciência? Duvido. Há métodos, há capital acumulado, mas o peso do indivíduo, da sua personalidade, continua a «fazer a diferença». Grandes críticos: João Gaspar Simões, Jacinto Prado Coelho, Eduardo Prado Coelho. Maurice Blanchot Roland Barthes. O americano Harold Bloom, que publicou «single-handed» vários cânones. Os dois homens que, sós, organizaram a canónica História da Literatura Portuguesa, Óscar Lopes e António José Saraiva. Falando com os autores, ficamos também perturbados: os «ódios de estimação» abundam e, pior, transformam-se em juízo de valor. E o que dizer de uma capa da Spiegel com o eminente crítico Marcel Reich-Ranicki rasgando um romance do últmo Nobel alemão Günther Grass?





Sumário 2 (19/9)
1. Aproximação ao texto literário
11.Como o fazer?
1.2. O que distingue a escrita da escrita?
1.3. Roland Barthes diria: um 'escrevente' de um 'escritor' (écrivant/écrivain)
2. A voz autoral
2.1. Exemplo 1: Freddy Mercury e Montserrat Caballé cantando "Barcelona"
2.1.1. Kitsch/camp
2.1.2. A admirável lata de Freddy, a voz 'errada' que no entanto...
2.1.3. Cantores pop e músicos eruditos, vozes que se afirmam, apesar dos seus defeitos
2.2. Exemplo 2: Louis Armstrong vs. "belas vozes"
2.3. As "Redacçõe da Guidinha", de Luís de Sttau Monteiro
3. Leitura do texto indicado na aula anterior: "A rapariga e a bicicleta"
3.1. Recapitulando conhecimentos antigos: narrador/autor (dentro/fora do texto)
3.2. E quando o narrador tem o nome do autor?
3.2.1. Milan Kundera, A Imortalidade (Kundera toma café com uma personagem)
3.2.2. Martin Amis, Money (o narrador encontra a meio um escritor chamado Martin Amis)
3.2.3. Ohran Pamuk, Neve (só a a páginas 100 sabemos que é o próprio A que está a contar)
3.2.4. Italo Calvino, Se por uma noite de inverno um viajante (Parabéns, leitor, acabas de comprar...)
3.2.5. Calvino faz mais: arrasta o Leitor (a mim!) para dentro do livro, e vai contar a minha aventura a tentar ler o livro dele...
3.3. O nome do autor como 'efeito de verdade'
3.4. Porquê começar com "Ela telefona-me de longe"?
3.5. De que fala esta crónica?
3.6. Qual o direito do autor a abordar estes assuntos de "outras culturas"?
3.7. Intertextualidade: "Uma pequena pedalada de uma miúda, mas um grande salto para a humanidade"
3.8. "(...) um homem primitivo, brandindo um osso, descobre uma ferramenta..."

Sumário 3 (23/9)
1. Leitura de Comunidade
1.1. Exercício: defina Comunidade numa palavra
1.1.1. Sou eu, os outros, identidade, raízes (Alda)
1.1.2. Grupo que busca uma cooperação/integração
1.1.3. Crónica, crítica, reflexão, paradoxo (Alexandra)
1.1.4. Narração autodiegética, «autobiográfica» (Manuel)
1.1.5. Monólogo interior, reflexão (Giovanna)
11.6. Hino de amor à família (Inês)
1.1.7. Fragmentos de um diário, mais ou menos coerente (Erika)
1.1.8. Conto (Marlene)
1.1.9. Tentativa de libertação da Besta (Catarina)
1.2. Comentário às diferentes «definições»
1.3. Leituras «Certas» ou «erradas»? (Certas: o leitor é soberano. Se a Erika sentiu o texto como fragmentado, tem razão. Erradas: o texto também diz de sua justiça: e o leitor tem também de saber respeitar/escutar o texto.)
1.4. Leitura em aula
1.4.1. O primeiro parágrafo: um corpo indistinto
1.4.2. O segundo parágrafo: um corpo-bicho, feito de vários corpos
1.4.3. Terceiro parágrafo: «Somos cinco na cama»
1.4.4. Os parênteses, as reticências, a ocasional falta de vírgulas, o parágrafo-frase
2. Bibliografia activa/passiva
2.1. «Principal» vs. «secundária»? (Meia verdade)
2.2. Objecto de estudos/outros estudos sobre o mesmo objecto
3. Convocações: como ler?
3.1. Adorno e a sua famosa «afirmação»
3.2. Amos Oz e o curso sobre «inícios de livros»
3.3. A minha avó: leio com a memória, leio com a pessoa que sou
4. Continua na próxima aula...

Sumário 4 (26/9)
1. Continuação da aula anterior: em torno da Comunidade
1.1. Leitura em aula
1.2. Pouco a pouco, o polvo vai ganhando nomes
1.3. Uma imagem literária: a «cama-jangada»
1.4. Para que serve a literatura?
1.3. Vítor Silva Tavares: «O cachecol do artista»
2. Como ler?
2.1. Dois erros: o leitor demasiado respeitador vs. o leitor rufião, mimado, preguiçoso, caprichoso
2.2. O meu «dever» não é compreender - é ler. O resto logo se vê
2.3. Vários métodos: ler de novo, ler outro texto do mesmo autor, ler outros textos, ler textos de apoio
2.4. Leitura em voz alta em aula: ora aqui está também um bom método
3. Por que motivos Catarina está «errada» e não é Comunidade um «texto gótico»?
3.1. Antevisão da adaptação de O Barão de Branquinho da Fonseca (1942) por Edgar Pêra
3.2. Fernando Pessoa e Alistair Crowley
3.3. Lovecraft
3.3. David Soares
4. Da metáfora
4.1. Uma aproximação entre dois díspares até fazerem um
4.2. Exemplo: Ana/flor
4.3. No texto pachequiano: a «cama-jangada»


Sumário 5 (1/10)
1. Traduttore, traditore
2. Anúncio das aulas com professores convidados
2.1. 3ª 8: Prof. Margarida Vale de Gato: dois contos de Maria Velho da Costa (disponíveis na Casa das Cópias)
2.2. 5ª 10: Prof. Gianluca Miraglia: dois contos de David Mourão-Ferreira e Mário de Carvalho
3. João Barrento, excelente professor, excelente ensaísta, excelente tradutor
3.1. Tradutor nomeadamente de Paul Celan (aqui no blog do poeta brasileiro António Cícero)
3.2. Paul Celan tinha, por sinal, um dilema sobre em que língua escrever: materna ou «dos assassinos»
3.2.1. «Nesses anos e nos anos seguintes tentei escrever poemas nesta língua: para falar, para me orientar, para saber onde eu me encontrava e onde isso iria me levar, para fazer o meu projecto de realidade (...)»
3.2.2. «No meio de tantas perdas, uma coisa permaneceu acessível, próxima e salva – a língua. Sim, apesar de tudo, ela, a língua, permaneceu a salvo. Mas depois de atravessar o seu próprio vazio de respostas, o terrível emudecimento, mil trevas de um discurso letal. Ela fez a travessia e não gastou uma palavra com o que aconteceu, mas atravessou esses acontecimentos.»
4. De onde vem a 'autoridade' para dizer 'grande' ou 'excelente'' de alguém que seja poeta,/tradutor, professor, ensaísta? 
4.1. Será a mesma autoridade para «poeta» ou «tradutor»? 
4.2. Quem no-la concede?
5. O leitor é soberano
5.1. Cabe-lhe decidir como e quando ler. 
5.2. Então por que motivo quando compra um policial o leitor não vai logo à página 200 saber quem é o criminoso?
5.2.1. Talvez porque assim se sonega algo
5.2.2. Talvez porque na leitura o resultado («saber o fim») não seja o mais importante
5.2.3. Talvez por outra razão qualquer
5.2.4. Discutimos para chegar a algum lado, talvez, mas não tem de ser ao mesmo lado
6. O caso da tradução da lírica de Camões por Richard Zenith
6.1. Sílabas a menos
6.2. Sem rima
6.3. Como justifica ele estas «perdas»?  A que aspectos escolhe ele ser «fiel» em detrimento de outros?
6.4. Exemplo: como traduzir «Pet Shop Boys» para português? 
6.4. Língua de partida e língua de chegada
6.5. É difícil servir a dois senhores: a manta fica curta de um lado ou do outro
7. Continuação da leitura em voz alta de Comunidade
7.1. Luís Feire: «nossos» - na cama uma comunidade, mas talvez também cá fora, talvez também o leitor seja um camarada a puxar para dentro, não daquela cama, mas daquela moral
7.2. Marlene: «Ir ver se Irene é também pessoa real e informar-me prejudica a leitura?»
7.2.1. Ver ponto 5 (aqui mesmo em cima)
7.2.2. O que prejudica é quando a explicação sábia alheia substitui a nossa própria busca 
7.3.3. O caso, triste, dos alunos que, em vez de lerem Os Maias lêem a (excelente) Introdução à Leitura d'Os Maias e, com isso, fazem o exame
7.4.4. Experiências há, como a da paternidade, que são pessoais e intransmissíveis
8. A fechar a aula, Leitura de um poema de Margarida Vale de Gato dedicado precisamente a João Barrento e... sobre a tradução (disponível neste mesmo blog) 


Sumário 6 (3/10)
1. Continuação da leitura de Comunidade
1.1. Podíamos ficar aqui o ano inteiro - ou ter uma cadeira só à volta deste texto
1.2. Porque ele convoca outros, mas não só
1.3. As mudanças de tom e de posição nos «blocos/estrofe» do texto
2. Mário-Henrique Leiria


Sumário 7 (8/10) - Maria Velho da Costa
Professora convidada: Margarida Vale de Gato
1. Maria Velho da Costa - vida e obra.
2. Início de carreira com destaque para Novas Cartas Portuguesas.
3. O romance, a prosa poética e a atenção aos falares sociais.
4. Um poema de Manuel Gusmão.
5. Contos de Dores (1993): "Iniciais" e "Ave Rara".
6. Ligação à pintura e a outras artes.

Sumário 8 (10/10) - Mário de Carvalho e David Mourão-Ferreira
Professor convidado: Gianluca Miraglia
Leitura de dois contos.

Sumário 9 (15/10) - O Barão
Leitura da obra de Branquinho por Edgar Pêra

Sumário 10 - Não houve aula (comissão de serviço docente, a convite do Instituto Camões)

Sumário 11 (22/10) - Jorge de Sena e Camões
1. Leituras: de autores que nadam no mesmo aquário
1.1. Diferentes professores, diferentes leitores, diferentes aproximações
1.2. Distintas vozes/aproximações   distintas vozes/aproximações
1.3. Jorge de Sena  Camões (um conto-ensaio sobre a genética do poema)
2. Babel e Sião: memória do bem passado vs. mal presente
2.1. Álvaro de Campos: «Dobrada à moda do Porto»
2.2. Camões: «Sôbolos rios que vão»
2.3. Jorge de Sena: «Super Flumina Babylonis»
3. O encontro entre dois caracóis com a casa às costas: o leitor e o texto
3.1. Na abertura de Os Lusíadas, Camões importa a memória do incipit virgiliano
3.2. Os salmos e as voltas
4. Uma aula, como uma história
4.1. Pode ser o fazer das fraquezas força
4.2. O desvio ser mais interessante que o destino previsto
4.3. Século XVIII: o entremez (intermezzo) que se torna a peça central [não falámos na aula]
5. A pretexto de um conflito inaudito: o programa da peça Comunidade no Teatro D Maria
5.1. Leitura do texto A (página par)
5.2. Leitura do texto B (página ímpar)
5.3. Quem tem razão? Does it matter?
5.4. A história dos dois sábios. Um líder espiritual terminava sempre os sermões dizendo: «E não se esqueçam: Deus é a fonte.» Um dia reformou-se e foi substituído por um mais jovem, mas também muito sábio, que logo no primeiro dia terminou o sermão dizendo: «E não se esqueçam: Deus não é a fonte.» Os discípulos ficaram muito confusos e decidiram ir visitar o velhote. «Você sempre disse que Deus é a fonte.» «Sim», respondeu este, «Deus é a fonte.» Eles gemeram: «Mas o seu substituto diz que Deus não é a fonte...» O ancião encolheu os ombros: «Bem, também pode ser dito dessa maneira!»
6. Uma sonata de Chopin vira canção pop de Barry Manilow e uma ainda mais pop dos Take That...
7. Um cartoon de Quino (postado mais à frente, no dia 22/10) - uma teoria da recepção
8. O meu sonho: um dia fazer um festival só com uma peça - Beckett, À Espera de Godot - encenada por 100 diferentes companhias.
8.1. Exemplo A: aqui
8.2. Exemplo B: aqui
8.3. Exemplo C: aqui

Sumário 12 (31/10) - «Super flumina Babylonis» II
1. Quem é esta mãe? Isso importa?
2. Como chega Luís Vaz à escrita das redondilhas?
3. Babel e Sião?
4. Uma «máquina narrativa»: Esta é a história de X que quer Y mas não pode...


Sumário 13 (5/11)
1. Concertino Bianco, de Georgs Pelecis. Era música, um leitor (encenador) fez esta leitura/interpretação.
2. Biografia e obra - uma relação abstrusa
3. Leituras em voz alta (pelos alunos) dos inícios dos diferentes contos do livro História da Bela Fria
4. Há um padrão?
5. Metástase de Alberto Pimenta. Ver aqui.
Próximas aulas: Teresa Veiga


Sumário 14 (7/11) - Teresa Veiga
1. Leituras em voz alta (pelos alunos) dos inícios dos diferentes contos do livro História da Bela Fria
2. Há um padrão? Mais do que um?
3. Narradoras mulheres que contam a sua história.
3.1. Sonsas?
3.2. Sinceras?
4. A linguagem usada
5. História: directa ou desviante?
6. Atenção: um conto pode iluminar outro.




Sumário 15 (12/11) - Teresa Veiga II
1. Audição de duas canções: «Mariazinha» de José Mário Branco, «Mulheres de Atenas» de Chico Buarque.
2. Audição de duas outras canções: «Coisas lá de casa» (Maria fui/em Marta me tornei) e Lilly Allen.
3. De que unidade mais se aproxima o desfiar de Teresa Veiga?

Sumário 16 (14/11) - Teresa Veiga III
1. Exercício em aula: «História da Bela Fria»

Sumário 17 (19/11) - Teresa Veiga V
1. Literatura vs. literalidade
2. Uma frase emblemática: «As especulações do Dr. Gameiro aborreceram D. Camilo, interessaram vivamente Ana e deixaram-me a vaga suspeita de que o velhote se entretivera a dar-nos a chupar um caramelo embebido em veneno.» («História da Bela Fria», p. 30)
3. Ler: quando brincar é o estádio superior


Sumário 18 (21/11)
1. «Consequências da descolonização»
1.1. A contida perfídia
1.2. Uma lucidez terrível
2. Como «contar errado» uma história
2.1. «Bom, talvez eu devesse ter começado por falar no irmão de Semíramis» (p. 64)
2.2. «Em suma,fi-lo gozar bastante e também eu aproveitei alguma coisa.» (p. 70)


Sumário 19 (26/11) - Mário de Carvalho I
1. Quem é aquele alferes?
1.1.. O que é um alferes?
1.2. Porquê um alferes e não um coronel, como no conto de Teresa Veiga?
2. O título bate certo com o conto?
3. Quem são as outras personagens?
4. Qual a trama?
5. O que posso dizer sobre a voz, comparando com a dos outros autores estudados?
6. A guerra colonial
6.1. Lídia Jorge, Lobo Antunes, João de Melo, Assis Pacheco - também escreveram sobre a guerra colonial
6.2. 1961-1974
6.3. TPC: pesquisar
6.4. Leopold Senghor, Agostinho Neto, Vaclav Havel... Os presidentes-escritores. (E há Manuel Alegre.)



Sumário 20 (28/11)


Sumário 21 (3/12)
0. Em torno de Era uma vez um alferes
1. Como ler?
2. O mito
2.1. Fernando Pessoa: «O mito é o nada que é tudo»
2.2. Os 'mitos de base': a floresta do Pequeno Polegar é similar ao labirinto de Creta
2.3. Ícaro, Sísifo, as fundações e origens da comunidade
2.4. D. Sebastião, Messias, o Golem
3. A sopa da pedra
3.1. A versão demasiado sucinta (ou seja, com pouca carne, só osso) do Luís
3.2. A versão 'errada' porque da Madeira (palavras suas) do Manuel
3.3. Seinfeld - uma série «sobre nada»
4. Comparação entre textos
4.1. Quão importante é a história em «História da Bela Fria«?
4.2. Um texto mais clássico, mais assente na força da narrativa, mais 'naturalista'
4.3. Quadro comparativo (omo exemplo) entre o conto de Sena e o de Carvalho
4.3.1. o coro: Mãe / Médico
4.3.2. Portugal / guerra
4.3.3. Perda de faculdades / Mina
4.4.. Cadê os turras?

Sumário 22 (5/12)
1. Autobiografia e ficção
1.1. Todo o texto é autobiográfico
1.2.Nenhum texto é autobiográfico?
1.3. O que importa - e, a importar, por que motivo importa?
1.4. A biografia do autor apenas interessará se isso fizer alguma luz sobre o texto.
1.4.1. Não tem valor documental.
1.4.2. Quando muito, «emocional». A pancada do autor - o que o move.
2. Há um fio condutor entre os textos abordados na cadeira?



Sumário 23 (10/12) - Não houve aula por deslocação de serviço do docente à Galiza, a convite do Instituto Camões (a compensar em Janeiro)

Sumário 24 (12/12) 
1. A importância dos pormenores: o diminutivo n'os Maias
1.1. Eusebiozinho.
1.2. O Péricles de Teresa Veiga
2. Sim, haverá uma leitura «certa» e uma leitura «errada», como há um caminho certo e outro errado. Mas como escolher? Quando o sabemos?
3. Uma conversa sobre títulos. O labirintodonte de Alberto Pimenta (1970).


Sumário 25 (17/11) - Frequência

Sumário 7/1 - Aula suplementar
1. Para que serve a literatura?
1.1. Para nada.
1.2. Mas talvez, também, para nos lembrar que nós não servimos para nada. «Servir para alguma coisa» não é a razão de ser principal do ser humano. No ponto de vista de quem gosta de literatura, claro.
2. Porquê estas obras? Que arco formam?


Sumário 9/1 - Aula suplementar
Conversa com os alunos presentes. balanço do semestre.